Transtorno de Ansiedade Social e Comportamentos de Evitação e de Segurança: Uma Revisão Sistemática

Tipo de Artigo: Revisão Sistemática

Autores:

  • Kátia Regina da Silva Burato (Neuropsicóloga Clínica)

  • José Alexandre de Souza Crippa (Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto)

  • Sonia Regina Loureiro (Universidade de São Paulo – Ribeirão Preto)

Palavras-chave: ansiedade social; fobia social; cognição; comportamento de segurança; pensamentos negativos.


RESUMO

 

O Transtorno de Ansiedade Social (TAS) caracteriza-se por um medo persistente de situações sociais. Objetiva-se identificar na literatura indexada, estudos relativos à qualidade técnica de instrumentos psicométricos e experimentais sobre a avaliação dos pensamentos negativos e comportamentos de segurança associados ao TAS. Foram identificados 22 artigos, agrupados em dois conjuntos, considerando os procedimentos utilizados. No primeiro conjunto os estudos investigaram as qualidades psicométricas de instrumentos que avaliam cognições e TAS, sendo que destes, quatro abordaram versões já aferidas previamente e dois avaliaram instrumentos propostos especificamente para mensurar comportamento de segurança e pensamentos negativos. Os estudos do segundo conjunto investigaram, por meio de simulações de situações de desempenho verbal, aspectos cognitivos associados à ansiedade, destacando as variáveis auto-imagem negativa, pensamentos negativos e comportamentos de segurança associados ao aumento da ansiedade social. A análise dos estudos aponta que a identificação de comportamentos evitativos pode ser útil para a implementação de intervenções.


De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais – DSM-IV-TR, da Associação Psiquiátrica Americana (2002), o Transtorno de Ansiedade Social (TAS) ou Fobia Social caracteriza-se por um medo acentuado e persistente de situações sociais ou de desempenho nas quais o indivíduo teme se sentir envergonhado ou embaraçado. Os principais medos estão relacionados à exposição, como parecer ridículo, dizer tolices, ser observado pelas outras pessoas, interagir com estranhos ou pessoas do sexo oposto, ser o centro das atenções, comer, beber ou escrever em público, falar ao telefone e usar banheiros públicos. Os sintomas somáticos estão presentes antes, durante e depois das pessoas estarem em uma situação social, e são expressos por palpitação, rubor, tremor e sudorese. Ainda segundo o DSM-IV-TR (APA, 2002), uma pessoa só poderá ser diagnosticada como tendo fobia social se este medo intervir significativamente na sua vida profissional ou pessoal.

Segundo as proposições do modelo cognitivo de Clark e Wells (1995), quando uma pessoa socialmente fóbica entra em contato com situações sociais, percebe as suas manifestações fisiológicas e comportamentais e a partir destas estabelece estratégias de evitação para enfrentar tais situações, que são percebidas como fonte de perigo. O uso de estratégias de evitação produz um ciclo vicioso (ansiedade / evitação / mais ansiedade) que pode favorecer a manutenção desse transtorno (Spurr & Stopa, 2003).

Sob esta perspectiva a ansiedade está associada a representações internas perceptuais, que funcionam como elementos essenciais para a manutenção de crenças presentes na fobia social (Hofmann, 2000; Rapee & Heimberg, 1997). Nesse sentido, a ansiedade social é resultado de percepções negativas da pessoa com relação a si e ao outro, expressas pelas crenças em ter um desempenho negativo ou inadequado frente a diversas situações sociais (Hofmann & DiBartolo, 2000).

O padrão comportamental dos indivíduos com fobia social caracteriza-se por um medo típico e um desejo de evitar as situações sociais nas quais tenham que se expor, pois o temor central na fobia social é o de ser o foco das atenções, de expor suas fraquezas e, em consequência disto, ter seu desempenho avaliado negativamente. Tal comportamento tem como propriedade a estratégia de enfrentamento associada à evitação e a auto-percepção de perigo que requer auto-proteção (Stravynski, Bond, & Amado, 2004). Segundo Hofmann e Heinrichs (2003) os indivíduos com fobia social, tendem a ser mais críticos com relação a si e avaliam as situações com componentes mais negativos. Deste modo, ao fazerem as suas auto-avaliações, fundamentam-se em julgamentos externos idealizados, baseados em comparações e avaliações de competência pessoal ou social associadas a um padrão elevado de exigência, favorecedoras de avaliações negativas.

Outro aspecto importante relacionado à compreensão dos aspectos cognitivos da fobia social, diz respeito ao comportamento de segurança. Tal construto refere-se ao conjunto de comportamentos evitativos que visam a diminuir a exposição às situações de interações sociais percebidas como de ameaça e risco frente às quais as pessoas antecipam que serão avaliadas negativamente (Gouveia, Cunha, & Salvador, 2003). A utilização, pelos fóbicos sociais, do comportamento de segurança tem sido apontada como um importante fator de manutenção da fobia social, por impedir que as situações temidas sejam desconfirmadas. Embora a identificação dos comportamentos de segurança seja considerada um componente importante para as intervenções comportamentais na fobia social, pouca atenção tem sido dada à avaliação dessas estratégias de segurança utilizadas por estes pacientes (Gouveia et al., 2003), apontando para a necessidade de estudos que abordem diretamente tal variável.

Vários estudos sistemáticos têm buscado verificar a relação entre aspectos cognitivos, o desenvolvimento e a manutenção da fobia social, tendo por referência instrumentos de auto-avaliação validados e procedimentos experimentais. Ressalta-se que a importância de uma revisão sistemática que identifique estudos relativos a tais aspectos, se situa na possibilidade de reunir informações sobre o tema de modo a delinear o estado da arte no que diz respeito ao conhecimento sobre fobia social, o que poderá instrumentar futuros estudos. Desta forma, o objetivo deste estudo é identificar, por meio de uma revisão sistemática da literatura, estudos relativos à qualidade e adequação técnica de instrumentos psicométricos e experimentais sobre a avaliação de aspectos relativos aos pensamentos negativos e comportamentos de segurança associados ao transtorno de ansiedade social.

Método

 

Trata-se de uma revisão sistemática nas bases de dados PsycoINFO e Medline relativa a estudos empíricos recentes, sobre a avaliação das cognições associadas às crenças, pensamentos negativos e comportamentos de segurança de pessoas com TAS em comparação a pessoas sem transtornos psiquiátricos e com outros transtornos de ansiedade, utilizando-se as palavras-chave: social anxiety/ social phobia, cognition, safety behavior, negative thought, negative beliefs. Adotaram-se como critérios de inclusão dos artigos: (a) idioma – português e inglês; (b) amostras com sujeitos adultos; (c) estudos empíricos relativos à qualidade dos instrumentos psicométricos sobre crenças, pensamentos negativos e comportamentos de segurança. Utilizaram-se como critérios de exclusão estudos relativos a: (a) revisão; (b) com crianças; (c) com outros transtornos psiquiátricos; (d) sobre fobias específicas; (e) relativos a abordagem farmacológica; (f) envolvendo intervenções; (g) relativos a neuroimagem; (h) enfocando prejuízos psicossociais; e (i) abordando funções cognitivas específicas. A inclusão dos artigos foi feita tendo por base a análise independente de dois avaliadores.

Resultados e Discussão

 

Foram identificados na literatura recente, a partir de 2000, 240 artigos e com base nos critérios de inclusão e exclusão selecionou-se 22 artigos, os quais são objetos de análise nesta revisão. Para a análise, dos artigos incluídos, estes foram agrupados em dois conjuntos distintos tendo como critério de classificação as modalidades de procedimentos utilizados, a saber: estudos psicométricos (n = 6), e estudos que utilizaram procedimentos experimentais (n = 16).

Os estudos do primeiro conjunto avaliaram as qualidades psicométricas de instrumentos já aferidos previamente, e a proposição de instrumentos para mensurar aspectos específicos como o comportamento de segurança e os pensamentos negativos. Os estudos do segundo conjunto, com procedimentos experimentais, verificaram, por meio de simulações de situações de desempenho verbal, os aspectos cognitivos associados à ansiedade, destacando as variáveis: auto-imagem negativa, pensamentos negativos, e comportamentos de segurança; e suas associações com o aumento e a manutenção da ansiedade social. Apresentar-se-á, a seguir, a análise dos artigos incluídos nos dois conjuntos, destacando separadamente cada estudo e suas peculiaridades metodológicas.

TAS – Estudos Psicométricos e Cognições

 

O primeiro conjunto de artigos identificados, constituído por seis estudos que investigaram as qualidades psicométricas relativas à fidedignidade, validades de construto convergente, discriminante e preditiva de instrumentos que visam, dentre outras características, a avaliação das crenças e pensamentos negativos associados ao TAS. Desse conjunto de estudos, quatro abordaram versões de instrumentos já aferidos previamente em outros países ou para outras amostras, visando à avaliação de aspectos gerais relativos à ansiedade social, com destaque para as crenças e pensamentos negativos como detalhado a seguir.

Antony, Coons, McCabe, Ashbaugh e Swinson (2006) estudaram as qualidades psicométricas da versão em inglês do Social Phobia Inventory (SPIN) para o Canadá, comparando os dados obtidos com amostras clínicas de TAS, com amostras com transtorno obsessivo compulsivo e pânico com agorafobia, além de sujeitos sem transtorno mental. Relataram indicadores positivos de consistência interna (Alfa de Cronbach = 0,79) e a confiabilidade medida pelo teste-reteste, com intervalo de três semanas, foi considerada excelente (0,86). Verificaram a validade convergente com a Social Phobia Scale, obtendo valores considerados satisfatórios (0,60). Com relação à validade discriminante, a versão canadense foi considerada bastante adequada para distinguir indivíduos com TAS de outros transtornos de ansiedade como o transtorno obsessivo e pânico, apresentando índice de sensibilidade de 0,81.

Carleton, Collimore e Asmundson (2007), procederam à validação do instrumento Brief Fear of Negative Evolution Scale (BFNE-II) para uma amostra não-clínica do Canadá, constatando uma excelente consistência interna (Alfa de Cronbach = 0,95), e a confirmação da estrutura fatorial e da validade convergente com medidas consagradas de ansiedade social como a Social Interaction Anxiety Scale (0,64) e a Social Phobia Scale (0,60), além de ter estabelecido normas para a população não-clínica, detectando diferenças entre os gêneros.

A versão francesa do Fear of Negative Evaluation (FNE) foi estudada por Musac e Lepine (2004), comparando um grupo diagnosticado com TAS a um grupo de pessoas sem transtornos psiquiátricos. O estudo confirmou os bons indicadores psicométricos de validade convergente com relação à Liebowitz Social Anxiety Scale (0,79), com a Escala de Ansiedade Estado-Traço de Spilberger (0,62) e com o Inventário de Depressão de Beck (0,68). A consistência interna, medida por meio do Alfa de Cronbach, confirmou o caráter homogêneo dos itens (0,92), tendo a análise fatorial demonstrado a unidimencionalidade do FNE.

A versão turca da Liebowitz Social Anxiety Scale (LSAS) foi estudada por Soykan, Ozguven e Gencoz (2003) tendo como referência dados obtidos com amostras clínicas de TAS, em comparação com as amostras com outros transtornos psiquiátricos e sem transtorno mental. Os dados evidenciaram excelente índice de consistência interna medido pelo Alfa de Cronbach (0,95), e de confiabilidade, medida pelo teste-reteste, com intervalo de uma semana (0,97). Quanto à validade convergente, analisaram a correlação dos escores da LSAS com o Inventário de Depressão de Beck detectando índices razoáveis, e ainda, quanto à validade discriminante a escala apresentou bons indicadores para discriminar casos de não casos de TAS.

Destaca-se que, nesse conjunto de artigos relativos às qualidades técnicas de instrumentos psicométricos, os quatro estudos sobre versões de instrumentos já aferidos, comprovaram as qualidades prévias dos mesmos para outros contextos culturais. Os outros dois estudos incluídos nesse conjunto apresentaram novos instrumentos, específicos para a avaliação dos pensamentos negativos associados à ansiedade social, a saber: o estudo de Gouveia et al. (2003), envolvendo a avaliação de evitação e comportamento de segurança e o de Turner, Johnson, Beidel, Heiser e Lydiard (2003), abordando as alterações cognitivas relativas ao TAS.

Gouveia et al. (2003) propuseram dois instrumentos específicos de auto-avaliação, o Social Interaction and Performance Anxiety and Avoidance Scale (SIPAAS) e o Social Phobia Safety Behaviours Scale (SPSBS). O SIPAAS tem por objetivo avaliar o desconforto e evitação em situações sociais, apresentando um conjunto de 44 itens, distribuídos em duas subescalas – Desconforto e Evitação. Quanto ao Social Phobia Safety Behaviours Scale (SPSBS) o propósito é avaliar o conjunto de comportamentos de segurança que os indivíduos com ansiedade social utilizam frente às situações sociais, na tentativa de prevenir as possíveis avaliações negativas atribuídas aos outros. A escala é constituída por 17 itens que envolvem comportamentos encobertos, e comportamentos verbais e não-verbais de segurança, freqüentemente utilizados pelos indivíduos com ansiedade social elevada.

Os estudos psicométricos com os dois instrumentos foram conduzidos com amostras clínicas com TAS, com outros transtornos psiquiátricos, e com pessoas sem transtornos psiquiátricos. Quanto às características psicométricas dos instrumentos SIPAAS e SPSBS, estes apresentaram consistência interna (Alfa de Cronbach) bastante satisfatória; respectivamente 0,92 e 0,82, apontando que os itens constituem um conjunto homogêneo na avaliação dos construtos evitação/desconforto e comportamentos de segurança, tendo apresentado ainda boa confiabilidade teste-reteste, medida com intervalo de quatro semanas, com os valores, respectivamente, de 0,83 e 0,69. Os estudos verificaram a validade discriminante das escalas para a identificação dos portadores de TAS em relação a amostras com outros transtornos psiquiátricos e sujeitos sem transtornos psiquiátricos, encontrando indicadores positivos na identificação de casos e não casos.

Turner et al. (2003) propuseram o Social Thoughts and Belief’ Scale que trata-se de um instrumento de auto-avaliação, composto por 21 itens que objetivam avaliar a presença de alterações cognitivas associadas ao TAS. A escala foi aferida em uma amostra de pessoas com diagnóstico de TAS, em comparação a pessoas com outros transtornos psiquiátricos e pessoas sem nenhum transtorno psiquiátrico. Este instrumento apresentou boas qualidades psicométricas, expressas por boa consistência interna (Alfa de Cronbach = 0,93), e pelo teste-reteste (0,93-0,94), em intervalo de quatro semanas, e ainda quanto à validade discriminante diferenciou pessoas com TAS de pessoas com outros transtornos psiquiátricos, e sem nenhum transtorno psiquiátrico.

Na análise dos quatro estudos com versões de instrumentos já aferidos, destaca-se que os aspectos relativos aos pensamentos negativos foram abordados no conjunto dos itens, sem medidas específicas, confirmando os bons índices psicométricos prévios dos estudos originais. Quanto aos novos instrumentos, propostos para a avaliação específica de aspectos cognitivos associados à ansiedade social, estes mostraram bons indicadores de fidedignidade e de validade, permitindo a identificação de medidas relativas aos comportamentos de segurança e pensamentos negativos. Considera-se que a proposição destes instrumentos, com medidas específicas, poderá favorecer estudos futuros de intervenção com TAS, que tenham por objetivo focalizar aspectos relativos às cognições.

TAS – Procedimentos Experimentais

 

Os estudos relativos aos procedimentos experimentais (n = 16) envolveram simulações de situações diversas em contextos de grupo, envolvendo o observador presente ou o desempenho para uma platéia, tendo como fontes de informações a auto e a hetero-avaliação de desempenhos diversos. Observou-se o predomínio de desempenho relativo ao procedimento de falar em público.

Como medidas diagnósticas para a inclusão dos sujeitos os estudos com amostras clínicas, foram utilizados os critérios do DSM-IV, tendo por base as entrevistas estruturadas Structured Clinical Interview e a Anxiety Disorders Interview Schedule – Revised (ADIS-R). Para a caracterização do perfil das amostras não clínicas predominou o uso do Fear of Negative Evoluation (FNE).

O desenho experimental desse conjunto de estudos envolveu a comparação de medidas de auto-avaliação por meio de escalas aplicadas antes e após os procedimentos experimentais. No geral, foram utilizadas medidas já validadas e fidedignas. Destacar-se-á cada um dos estudos e suas peculiaridades.

Hinrichsen e Clark (2003) buscaram investigar a relação entre o processo cognitivo e a ansiedade social antecipatória em um grupo de estudantes universitários com alto e baixo nível de ansiedade (N = 40). Os resultados demonstraram uma ampla consistência com a hipótese inicial, ou seja, os indivíduos com alto nível de ansiedade, quando comparados ao grupo com baixo nível de ansiedade social, frente a uma situação de interação social, apresentaram mais pensamentos negativos e, no período antecipatório, apresentaram mais sensações de desconforto, e levaram um tempo maior pensando antes de executar a tarefa, mostrando-se mais atentos as suas ações, o que aumentou o nível de ansiedade frente ao discurso.

Hirsch, Clark, Mathews e Williams (2003) estudaram o papel da auto-imagem negativa na manutenção da fobia social e a associação das imagens mentais negativas aos níveis de ansiedade em uma amostra de pessoas com TAS. Os autores constataram a presença de uma relação entre a auto-imagem negativa e o aumento da ansiedade social, a qual interfere diretamente no desempenho e na natureza crítica de auto-julgamentos.

Hirsch, Meynen e Clark (2004), avaliaram a auto-imagem negativa, com base no relato de estudantes sobre situações do passado em que tiveram desempenho negativo, positivo e neutro, frente às interações sociais. Os autores constataram que a auto-imagem negativa influenciou as interações sociais, prejudicou o desempenho social, aumentou os índices de comportamentos de segurança e diminuiu as habilidades de conversação.

O papel da auto-imagem negativa na ansiedade social foi avaliado por Hirsch, Mathews, Clark, Williams e Morrison (2006). Os resultados confirmaram o estudo prévio de Hirsch et al. (2004) constatando que a auto-imagem negativa influenciou as interações sociais. Os participantes do primeiro grupo que imaginaram uma situação negativa fizeram uma auto-avaliação mais negativa do seu desempenho em relação aos outros grupos. Os autores concluíram que a auto-imagem negativa aumentou a presença de pensamentos negativos e de auto-avaliações mais críticas.

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Outro aspecto considerado como mantenedor da fobia social tem sido relacionado ao processo de pensamentos negativos e a ruminação desses pensamentos relacionados a eventos sociais, como demonstrado pelo estudo realizado por Kocovski, Endler, Rector e Flett (2005). Os autores constataram que quanto maior a ruminação associada aos pensamentos negativos, maior foi o nível de ansiedade social, independente dos sujeitos pertencerem aos grupos de alto ou de baixo nível de ansiedade social.

Christensen, Stein e Means-Christensen (2003) pesquisaram o nível de ansiedade social associado às auto-percepções e as percepções dos outros. Os dados demonstraram que as pessoas com ansiedade social acreditavam que os outros as julgavam mais negativamente do que de fato ocorria, e tinham sobre si uma auto-percepção mais negativa do que as opiniões de seus pares e do avaliador presente na situação. Os autores concluíram que a ansiedade social elevada mostrou-se relacionada à auto-imagem negativa.

Perowne e Mansell (2002), exploraram os processos que associam a ansiedade social com a atenção auto-focada. Os autores constataram que os indivíduos com ansiedade social elevada fizeram uma auto-avaliação mais negativa de suas habilidades sociais e verbais em comparação com a hetero-avaliação, realizada pelos avaliadores.

Tendo por referência o modelo cognitivo de Clark e Wells (1995), Spurr e Stopa (2003), estudaram o impacto da avaliação do observador para o desempenho social. Foi constatado, com base na avaliação do observador, que ambos os grupos, com alto e baixo nível de ansiedade, apresentaram pensamentos negativos e comportamentos de segurança. Entretanto, o grupo com alto nível de ansiedade social apresentou mais imagens distorcidas de seu desempenho, sugerindo que tais pensamentos negativos mantêm a ansiedade social.

Tanner, Stopa e Houwer (2006), investigaram as atitudes implícitas em relação auto-imagem. Os autores observaram que o grupo com alto nível de ansiedade apresentou mais atitudes disfuncionais e uma auto-estima mais negativa em relação ao grupo com menor nível de ansiedade social.

Voncken, Alden e Bogels (2005) objetivaram verificar a interação da ansiedade oculta com a ansiedade reconhecida. Constatou-se, em ambos os grupos, que a ansiedade oculta aumentou as respostas negativas e o nível de ansiedade social, enquanto que a ansiedade reconhecida atenuou as respostas negativas e a ansiedade social.

Bogels e Lamers (2002) examinaram o efeito da atenção auto-focada na ansiedade social. Os autores demonstraram que ocorreu um aumento do nível de ansiedade em todos os grupos quando foram submetidos ao feedback negativo do avaliador. O grupo com TAS teve um aumento de ansiedade mesmo quando submetido ao feedback positivo do avaliador, diferenciando-se dos demais grupos. Concluiu-se que a atenção auto-focada aumentou a ansiedade social.

Outro estudo realizado por Norton e Hope (2001) teve como proposta investigar a auto-avaliação e a avaliação do observador associado ao desempenho social. Foi constatada uma grande discrepância nas auto-avaliações dos desempenhos sociais feitas pelos participantes com TAS, em comparação aos participantes do grupo sem transtorno psiquiátrico. Os avaliadores não detectaram diferenças quanto ao desempenho social dos grupos e os autores consideraram que a presença de pensamentos negativos foi preditora de avaliação negativa por parte dos participantes.

Voncken, Bögels e Vries (2003), avaliaram a auto-imagem tendo como referência as interpretações de eventos sociais e não-sociais. Os resultados mostraram que os sujeitos com TAS apresentaram julgamentos mais negativos, e uma auto-imagem mais negativa em comparação ao grupo sem transtorno psiquiátrico.

Os efeitos das percepções e cognições para a ansiedade social foram estudados por Wells e Papageorgiou (2001). Os autores verificaram que os participantes com TAS referiram, ao falar para o grupo, mais pensamentos negativos e mais ansiedade social, comparativamente aos participantes sem transtorno psiquiátrico.

Wilson e Rapee (2006) verificaram o conteúdo dos pensamentos que acompanham a auto-avaliação de características pessoais. Como principais resultados, os autores destacaram que os sujeitos com TAS apresentaram um auto-conceito e uma auto-avaliação mais negativa de seus atributos de personalidade, em comparação com o grupo não-clínico, apontando que os pensamentos negativos diferenciaram os grupos.

A associação da ansiedade social a pensamentos negativos e a comportamentos de segurança foi estudada por Kim (2005). Foi constatado que, quanto maior a ansiedade social, maior foi a presença de comportamentos de segurança. Isto sugere que tais comportamentos podem ser mantenedores da ansiedade social, o que constitui um elemento chave para o treinamento de habilidades sociais em indivíduos portadores de fobia social.

Analisando-se o conjunto de estudos experimentais, verifica-se que 12 utilizaram a auto e hetero-avaliação para a avaliação das cognições associadas à ansiedade social. Destaca-se que a maioria dos estudos tomou como variável para comparação o desempenho verbal e apenas um estudo avaliou o tempo de preparação para a tarefa. Quanto aos estudos desenvolvidos com amostras não clínicas, com ansiedade social elevada em comparação a ansiedade social baixa, observou-se, quanto a variável tempo de preparação da tarefa, que os participantes com ansiedade elevada não perceberam a elevação do tempo gasto.

Com relação à variável desempenho verbal, os participantes com ansiedade social elevada fizeram uma auto-avaliação mais negativa que a hetero-avaliação por parte dos avaliadores e da platéia, usando mais tempo de preparação que os participantes com ansiedade social baixa. Nos estudos desenvolvidos com TAS, observou-se, para a variável desempenho verbal, que os participantes com TAS fizeram uma auto-avaliação mais negativa que a hetero-avaliação por parte dos avaliadores. Com relação à variável desempenho verbal, os participantes com outros transtornos psiquiátricos e sem transtornos psiquiátricos apresentaram uma auto-avaliação concordante com a hetero-avaliação.

Nos estudos analisados, os procedimentos experimentais investigaram aspectos cognitivos associados ao aumento e à manutenção de ansiedade social. As variáveis mais estudadas foram a auto-imagem negativa, os pensamentos negativos e os comportamentos de segurança, destacando que tais variáveis mostraram-se associadas ao aumento da ansiedade social. Os estudos que avaliaram a auto-imagem em amostras com sujeitos com TAS e com elevada ansiedade social, contataram a associação de avaliação negativa com alto nível de ansiedade frente às situações de exposição social. Os estudos que focalizaram os pensamentos negativos em pessoas com TAS e com alto nível de ansiedade social verificaram as associações com a ansiedade e com a tendência a avaliações negativas do desempenho por parte dos sujeitos.

Com relação aos comportamentos de segurança, os estudos verificaram a associação de tal variável à presença de desempenho social empobrecido. Poucos estudos se ocuparam da atenção auto-focada e da ansiedade antecipatória e, os que o fizeram, verificaram que, quanto mais a ansiedade estava focalizada em si, maior o prejuízo no desempenho, e, ainda, constataram que, quanto maior era a ansiedade social antecipatória, maior foi o tempo gasto na preparação da tarefa verbal. Destacamos como limitações dos procedimentos experimentais analisados que em todos os estudos as situações sociais estudadas foram simuladas. Considera-se que seria necessário investigar tais variáveis em situações reais, atentando, obviamente, para as implicações éticas de tais avaliações.

Conclusão

 

Com base na revisão sistemática de estudos empíricos recentes, foram observadas semelhanças quanto aos achados dos estudos conduzidos com amostras clínicas diagnosticadas com TAS e com amostras com ansiedade elevada, identificadas por instrumentos de rastreamento, sem confirmação diagnóstica. Variáveis como a auto-imagem negativa, os pensamentos negativos e os comportamentos de segurança, mostraram-se associadas ao aumento e à manutenção da ansiedade social. A identificação e análise dos estudos experimentais, com uma diversidade de procedimentos de simulação de situações de falar em público e de interações sociais, contribuem para a demonstração do envolvimento das manifestações de ansiedade nesses contextos.

A maioria dos estudos avaliou tais variáveis por meio de instrumentos que abordam aspectos gerais da ansiedade social e não por meio de instrumentos específicos de avaliação de tais variáveis. Considera-se que o uso de tais instrumentos poderá detalhar melhor tais associações. Destaca-se que os instrumentos propostos para a avaliação de aspectos específicos associados à ansiedade como comportamentos de segurança e evitação (Gouveia et al. 2003; Turner et al. 2003) mostraram bons indicadores de fidedignidade e de validade, permitindo a identificação de medidas específicas de tais variáveis. A utilização destes instrumentos, com medidas específicas, poderá favorecer estudos futuros de intervenção com TAS, que tenham por objetivo focalizar os aspectos relativos às cognições e crenças negativas.

Nessa perspectiva, considera-se que ampliar estudos com instrumentos precisos e válidos pode contribuir para a prática clínica e para estudos sistemáticos com o TAS. Em nosso contexto, existe uma escassez de instrumentos validados para o português do Brasil que abordem as diversas áreas de dificuldades de pessoas com fobia social. Faz-se necessário aprimorar os estudos de validação e fidedignidade, o que poderá contribuir para o diagnóstico, para o planejamento e para a avaliação da eficácia de abordagens terapêuticas com o TAS, sendo que a aferição de tais instrumentos poderá favorecer novos estudos empíricos.

Link Original: https://www.scielo.br/j/epsic/a/76jYzRRsgxZysdVZnvKwrqq/?format=html&lang=pt

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