Tipo de Artigo: Revisão de Literatura
Autores:
- Sara Mota Borges Bottino (Centro de Referência da Saúde da Mulher – Hospital Pérola Byngton)
- Renério Fráguas (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – IPq-HC-FMUSP)
- Wagner Farid Gattaz (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo – IPq-HC-FMUSP)
Palavras-chave: Depressão, câncer, diagnóstico, tratamento.
RESUMO
A depressão é o transtorno psiquiátrico mais comum em pacientes com câncer, com prevalências variando de 22% a 29%.
- Fatores de Variabilidade: A prevalência varia conforme sítios do tumor, estágio clínico, dor, funcionamento físico limitado e a existência de suporte social.
- Impacto no Prognóstico: A depressão associa-se a um pior prognóstico e aumento da mortalidade pelo câncer.
- Causas do Tratamento: Síndromes depressivas podem ser uma consequência das terapias antineoplásicas, como ocorre em 21% a 58% dos pacientes recebendo interferon-alfa.
- Barreira ao Cuidado: Sentimentos de tristeza e desespero podem inibir a procura de cuidado pelos pacientes, dificultando o reconhecimento da depressão.
Tratamento:
- O tratamento com antidepressivos é efetivo e melhora a adesão aos tratamentos do câncer, reduzindo efeitos adversos como náusea, dor e fadiga.
- Tratamento prévio com antidepressivos pode minimizar e prevenir sintomas depressivos induzidos por interferon-alfa.
- Intervenções psicossociais, como técnicas de relaxamento, terapia individual e em grupo, também podem ser utilizadas na redução dos sintomas depressivos e de estresse.
Introdução
Indivíduos com câncer e outras condições médicas graves têm risco aumentado para apresentar sintomas e transtornos depressivos persistentes, comparados com a população geral.
As taxas da prevalência da depressão associada ao câncer podem variar: 14% dos pacientes ambulatoriais, 28% dos pacientes em unidade de cuidados paliativos e 14,1% dos pacientes internados para transplante de medula.
A presença de dor e o uso de terapias antineoplásicas são fatores de risco e dificultam a identificação da depressão. A depressão aumenta o uso de serviços de saúde mental, interfere negativamente com a adesão aos tratamentos do câncer e com a qualidade de vida.
O tratamento precoce é imperativo, pois os benefícios do uso de antidepressivos e intervenções psicossociais estão bem estabelecidos, ajudando a reduzir sintomas depressivos e estresse.
Prevalência da Depressão em Pacientes com Câncer e os Fatores de Risco
As taxas da prevalência da depressão em pacientes com câncer situam-se entre 22% e 29%. No Brasil, foi diagnosticada em 30,5% dos pacientes internados no Hospital A.C. Camargo.
Essa taxa varia em função da metodologia utilizada para investigar a depressão e de diversos fatores, como:
- Tipo ou Sítio do Tumor
- Câncer de pâncreas: Prevalência de depressão de 21% a 50% em estudos.
- Câncer de orofaringe/cabeça e pescoço: Taxas estimadas entre 6% e 15% em estudos mais recentes.
- Câncer de mama: Taxas de depressão situam-se entre 10% e 25%, sendo maiores quando utilizados instrumentos de rastreio. O risco é maior no primeiro ano após o diagnóstico, principalmente em pacientes jovens. O tratamento adjuvante e seus efeitos adversos também aumentam o risco. Estudos brasileiros replicaram esses resultados, encontrando prevalências de depressão de até 33% e pensamentos suicidas em 13%.
- Neoplasias que afetam o SNC: Podem provocar síndromes depressivas por comprometimento direto dos circuitos de humor.
- Dor, Metástases e Complicações Clínicas
- Dor: Sintomas psiquiátricos, como ansiedade, insônia e depressão, podem ser decorrentes de dor não controlada. A dor pode ser tanto uma causa da depressão quanto um sintoma agravado por ela.
- Metástases: A presença de metástases aumenta a prevalência de depressão maior.
- Outros Fatores: Complicações clínicas e alterações metabólicas (hipercalcemia, anemia, deficiência de B12), endócrinas (hipertireoidismo ou hipotireoidismo) e insuficiência adrenal.
- Terapias Antineoplásicas
A depressão pode ser uma consequência direta de terapias como interferon e interleucina-2, quimioterápicos (procarbazina, asparaginase, vimblastina, vincristina, tamoxifeno) e corticosteroides.
- IFN\alpha (Interferon-alfa): Síndromes depressivas ocorrem em 21% a 58% dos pacientes. A superposição de sintomas no IFN-$\alpha$ é comum:
- Específicos: Alterações no humor, ansiedade.
- Neurovegetativos: Fadiga, anorexia, dor e retardo psicomotor (sickness behavior).
Diagnóstico da Depressão em Pacientes com Câncer
A depressão em pacientes com câncer frequentemente não é diagnosticada e, portanto, não tratada.
- Barreiras: Incerteza sobre o diagnóstico, tempo limitado para investigar questões emocionais, custos e a própria natureza da depressão (sentimentos de desvalia inibem a procura por cuidado).
- Confusão Sintomática: Os sintomas neurovegetativos da depressão podem ser atribuídos ao câncer e seus tratamentos. Embora haja controvérsias na pesquisa, a abordagem inclusiva dos sintomas é recomendada para o setting clínico.
- Falha no Reconhecimento: A maior barreira é a confusão entre o transtorno depressivo maior e outras fontes de tristeza. Estudos mostram que apenas metade dos pacientes deprimidos em oncologia são reconhecidos por médicos e enfermeiras.
- Uso de Escalas: O uso de escalas breves é uma ferramenta útil para detectar pacientes que precisam de intervenção. A Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) é uma das mais utilizadas e validadas no Brasil para rastreamento de sintomas depressivos e ansiosos em pacientes com doenças físicas.
Impacto da Depressão na Evolução de Pacientes com Câncer
A depressão está associada a:
- Maior tempo de hospitalização para o tratamento do câncer.
- Pior adesão aos esquemas de tratamento.
- Pior prognóstico e aumento da mortalidade (particularmente em câncer de cabeça e pescoço).
- Fatores Biológicos: Desregulação hormonal (eixo do estresse) e aumento da resposta inflamatória são considerados possíveis mecanismos para o pior prognóstico.
A depressão em pacientes com câncer avançado influencia mais o desejo de “abreviar a vida” do que a presença de dor. Surpreendentemente, menos da metade dos pacientes com sintomas depressivos moderados a graves recebe tratamento.
Suicídio: Pacientes com câncer podem apresentar ideação suicida na ocasião do diagnóstico (10%) e na recorrência (14%). Os fatores de risco incluem: episódio depressivo, dor não controlada, prognóstico reservado, neoplasia de cabeça e pescoço, sexo masculino, delirium e sensação de perda de controle.
Terapêuticas Farmacológicas e Não Farmacológicas
O tratamento dos transtornos psiquiátricos em pacientes com câncer foi ampliado, e os psicofármacos, além de aliviar sintomas psicológicos, melhoram a náusea, o vômito, a dor e a fadiga. A escolha do antidepressivo pode ser orientada por seus efeitos colaterais desejáveis (antináusea, antidor).
- Efetividade Farmacológica: As evidências sugerem que a depressão em pacientes com câncer responde a antidepressivos tricíclicos (TCA), inibidores seletivos da recaptura de serotonina (ISRS), mirtazapina e mianserina.
- Sintomas cognitivos respondem bem aos antidepressivos serotoninérgicos.
- Sintomas neurovegetativos respondem melhor aos agentes que modulam o funcionamento catecolaminérgico (dupla ação, bupropiona, psicoestimulantes).
- Prevenção: O uso de antidepressivos (ex.: paroxetina) para prevenir o desenvolvimento da depressão em pacientes recebendo medicações como interferon-alfa tem se mostrado efetivo.
- Intervenções Psicossociais: Técnicas de relaxamento, hipnose, terapia individual e em grupo podem ser utilizadas na redução dos sintomas depressivos e de estresse. Cinco de 10 estudos randomizados apresentaram evidências dessas intervenções no aumento da sobrevida.
Conclusão
A identificação dos pacientes mais vulneráveis, como o rastreamento de sintomas depressivos e ansiosos, histórico de depressão, dose e duração das terapias com citocinas, pode ajudar o médico nas estratégias de prevenção e no uso criterioso de antidepressivos.
LINK DO ARTIGO: https://www.scielo.br/j/rpc/a/WxFGJRbsLscsJ8bxB4vjwNc/?lang=pt

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